De Anima. (explicandum est)
Então, vamos à explicação da alma referente às três palavras colocadas no post abaixo.
Começarei a explicação a partir do vedānta sūtra, que é a principal obra desta tradição, e chamada também de nyāya prasthāna, ou o método lógico. Este assunto é recorrente nesta obra, mas aparece explicitamente no capítulo, seção e sūtra 2.3.16-53, onde pode ser encontrada a exposição da natureza da alma e sua relação com o Absoluto. Aqui eu usarei os sūtra que tiverem as mesmas palavras expostas.
A palavra jīva aparece na primeira parte do sūtra 31, da seção 1, do capítulo 1:
जीवमुख्यप्राणलिङ्गान्नेति चेत्
jīvamukhyaprāṇaliṅgānneti cet
Assim, não se percebe (como igual) a face da alma e a característica do Espírito.
(Traduzo aqui prāṇa como “Espírito”, porque dois sūtra antes, esta palavra se referiu a brahman, e a palavra original para “espírito” é spiritus, em latim, cuja acepção original é a mesma da palavra prāṇa, ‘hálito’, ‘respiração’, ‘sopro’.)
Já falei que a relação entre alma e Deus, no vedānta, é dada como igual e diferente. No sūtra acima vemos a evidência dessa diferença. A alma não é o Absoluto. E se ela não é o Absoluto, o que ela é? É vida. E aí chegamos na explicação da primeira palavra:
- jīva, da raiz jīv, “viver”. Esta palavra unida à śakti, significa o ato de vida que é injetado na matéria. O que chamamos de alma, é aquilo que dá vida, ou anima, a matéria; e nós somos esse ato de vida.
Bem, com esta palavra, temos a função da alma, que é dar vida à matéria. Agora, onde a bendita alma (que somos nós) se localiza? Numa perspectiva metafísica, onde ela está?
Entra aí a segunda palavra para designar a alma. E como já falei, esta palavra é um tanto diferente das outras duas; ela é mais encontrada na literatura sânscrita clássica.
- taṭastha, (taṭa – margem; stha – situada) “situada à margem”. Esta palavra define sua localização em relação ao mundo e ao Absoluto. Estar à margem significa que ela não é nem a matéria nem o Absoluto, e também que ela se relaciona com ambos. Quando se relaciona com a matéria é masculina, ela a fertiliza (v.s. 2.3.33); já quando se relaciona com o Absoluto é feminina (v.s. 2.3.41).
Desta palavra seguimos para a próxima:
- ātmā, (da raiz at – mover; ou an – respirar) “alma”. Ao analisarmos os textos vemos que esta palavra diz respeito à alma quando ela já está no mundo, já corporificada.
Vejam isso (v.s. 4.4.3):
आत्मा प्रकरणात्
ātmā prakaraṇāt
A alma (vem) do Todo.
Vir do Todo, não é ser o Todo. Participar do Todo, não é ser o Todo. Temos a matéria passiva de depender da alma, e a alma passiva de depender do Absoluto. Sendo Este o único com verdadeira independência.
Sei que isso fere o princípio aristotélico da não-contradição, mas para o vedānta, toda a perspectiva metafísica pode ser “auto-contraditória” porque é… metafísica. Por isso uma relação do tipo: Deus-alma-alma-Deus pode ser dada como igual e diferente. Mas não a relação do tipo: alma-matéria-matéria-alma; porque a segunda parte (matéria-alma) dessa relação não é possível acontecer, a não ser com a alma iludida pela matéria. (Ou seja, quase sempre…)
Estas três palavrinhas nos dizem o seguinte:
A alma é um princípio individual (aṁśa) que vem de Deus e dá vida à matéria; ela está situada à margem por participar tanto do Absoluto quanto da matéria; uma vez dentro e animando, ou ela se deixa levar (des-conscientiza-se) pela força da matéria, que sendo o princípio feminino aí, a seduz; ou se deixa levar (conscientiza-se) pela força original de sua natureza, que é o contato constante com o Absoluto, sendo feminina para com Ele, e seu contato masculinamente constante com a matéria.
Usamos, então: jīva, para quando queremos falar da alma como princípio ou ‘substância’ (śakti); ātmā, para quando nos referimos à alma, mas corporificada, já no mundo; e taṭastha, quando a referência for tanto para princípio como para determinar sua localização perante as duas outras śakti.
OBS: É lógico que este assunto não pára por aqui, sua explicação não se restringe só a esta.
2 respostas so far
[…] 7 do capítulo 15 encontramos a palavra aṁśa e também a palavra jīva, da qual falamos no post abaixo. Esta palavra aparece aqui com duas outras, loka, ‘mundo’, bhūta, […]
[…] Já expliquei sobre a palavra ātmā aqui. Neste 4º aforismo ela significa “auto”, o que forma autocriado, ou seja, o mundo […]