Perceber as duas ações – política a partir do Bhagavad Gītā.
Política é como o homem age na cidade. E a cidade é seu cosmos.
Em um período que todos vão às ruas protestar, é importante saber a natureza dessas ações.
Se o Bhagavad Gītā trata (também) de ação, necessariamente trata de política.
Cito aqui o śloka 18 do capítulo 4 para analisarmos a ação. Vejamos:
कर्मण्यकर्म यः पश्येत् अकर्मणि च कर्म यः
स बुद्धिमान् मनुष्येषु स युक्तः कृत्स्नकर्मकृत्
karmaṇyakarma yaḥ paśyet akarmaṇi ca karma yaḥ
sa buddhimān manuṣyeṣu sa yuktaḥ kṛtsnakarmakṛt
Quem percebe inação na ação e ação na inação,
é o inteligente entre os homens, ele está conectado e executa todas as ações.
Um esclarecimento anterior:
1) O verbo paśyet (potencial, 3ª pessoa do sing. < dṛś> , ver) é central, porque aqui ele determina um sādhana (uma prática). A importância de perceber nossas ações torna-se uma prática; o homem inteligente é aquele que percebe suas ações, e uma vez conhecida a natureza de ambas as ações (ou seja, conectado), ele executa (realmente) as ações.
2) Aqui a palavra karma não tem o significado de lei (ação-reação) diretamente, ainda que possamos deduzir essa lei a partir de uma conotação. (Outro dia explico esta lei.)
Agora, vamos lá.
Para facilitar o entendimento dos dois tipos de ação propostos no śloka, trago dois dos conceitos mais usados para determinar tipos de ação segundo a política moderna.
São eles: ação reacionária e ação revolucionária.
Antes esclareço a diferença (uma das possíveis):
Ação reacionária:
É aquela que alguém adota, diante de uma ação anterior que o desagrade, sem impor esta sua ação aos demais.
Ação revolucionária:
É aquela que alguém adota, diante de uma situação que o desagrade, impondo esta sua ação aos demais.
OBS: Esqueçam os termos “direita” e “esquerda” para a análise que faço.
Mas antes, simplifico ainda mais:
O reacionário se opõe a uma fórmula certa e exata para todas as ações.
O revolucionário impõe uma fórmula (sua) certa e exata para todas as ações.
O primeiro descreve uma ação passada, o segundo prescreve uma ação futura.
Agora vamos ao śloka.
a) inação na ação: uma ação será inação quando for movida por desejo, kāma, e neste caso, um desejo (determinado pela mente, uma vez a serviço do ego) leva a um modelo de futuro, que, como sabemos, é sempre incerto. Uma ação que se fundamenta em uma idéia de futuro; portanto, revolucionária.
OBS: esta ação, por levar a um modelo de futuro, reivindica a igualdade.
b) ação na inação: uma inação será uma ação quando for movida por uma ausência de desejo, niṣkāma, e neste caso, esta ausência o leva à análise da ação anterior, que será, por sua vez, sempre passível de análise. Uma ação que se fundamenta em uma idéia de passado; portanto, reacionária (de reação mesmo).
OBS: já esta, por reagir a uma ação passada, reivindica a liberdade.
A primeira ação é determinada pelo ego (ahaṅkāra).
A segunda pela inteligência (buddhi).
*****
Coletivamente só deveríamos praticar a ação reacionária, pois sempre implica em dar consideração à ação anterior. A revolucionária já está mais afeita ao indivíduo, pois seus desejos determinarão sua própria vida sem se importar com um passado ou a imposição de um modelo (que será seu e único).
Portanto, quem percebe realmente as ações (o inteligente) se conecta com a natureza de cada ação, e pode executar todas elas, sabendo que ação praticar, e em que momento.
Agora vão aqui, e leiam este excelente texto do poeta Fernando Pessoa. Que diz algo bem parecido.
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